8 de abril de 2011

Com licença, formiga.


Hoje em dia as pessoas existem umas sem as outras, embora cheias de pessoas à volta. Por exemplo, o centro de uma metrópole é um conglomerado de formigas correndo atrás de suas migalhas de pão. Conformados, trabalham o dia-a-dia em seus formigueiros mentais, ocupados demais com pensamentos rasos ou efêmeros prazeres sem sentir de verdade fora daqueles padrões com os quais estão acostumados. Egocêntricos, egoístas e em grupo, tocam suas vidas para frente, sempre para frente. E sobrevivem.

De lá para cá, entre ternos e vestidos, as pessoas param quando veem a cor vermelha. Mal o verde aparece e o corre-corre cruzado se remonta com um relevante parêntesis: já percebeu como as pessoas conseguem atravessar uma rua lotada sem tocar em ninguém? No máximo um esbarrão descuidado ou um toque imperceptível, por uma desatenção do acaso. Os corpos, nossas máquinas, obedecem – quase sempre – nossas ordens, certo? O que dizer, portanto, do fato de as pessoas mal se encostarem? Não se conhecem, é indelicado, inconveniente, desnecessário. Sim, mas como elas não se amontoam confusas umas nas outras? É como se existissem caminhos meticulosamente determinados nos espaços – frestas às vezes – entre umas pessoas e outras.

Sabe, as formigas têm caminhos determinados. Uma descobre, conhece ou inventa o caminho e as outras a seguem.

Vejamos por outro ângulo uma situação semelhante. Imagine um lugar fechado, repleto de desconhecidos. Certamente já experimentou encostar gentilmente sua mão nas costas de alguém num lugar cheio de gente? O “Com licença” e o toque surpreende quem o recebe. Eis o que acontece em uma fração de segundos: Primeiro, a desconfiança estala a espinha e tenciona os olhos de quem é tocado; Logo depois, ao reparar o despretensioso objetivo da outra pessoa em apenas seguir seu caminho, a tranquilidade toma de novo aquele ser, que dá licença, sem pestanejar e com um sorriso no rosto.

Por nada demais ter acontecido vem o suspiro aliviado. Contudo, um leve desgosto posterior é inevitável. Por nada demais ter acontecido. 

O mais singelo contato físico entre dois seres humanos provoca uma reação em cadeia em escala microscópica de dúvida, desconfiança, alívio e decepção. Uma pequena decepção que tenta soprar ao pé de nossos ouvidos: Não somos formigas!

Embora nossos instintos nos ponham inicialmente com o pé atrás, nenhum homem é uma ilha, como dizia o poeta. E, se somos, pertencemos a um arquipélago, a um continente, a um planeta que seja. Nossa felicidade não está no outro, mas certamente ela está com o outro. Afinal, um simples toque de licença faz um coração bater diferente por um segundo que seja. A pensar diferente por uma inspiração que seja. A viver diferente por uma vida que seja...

Com licença.