11 de junho de 2011

O Cortejo


Pontos de fogo reconheciam à penumbra a sua beleza. As bandejas de prata circulavam pelo salão como retrovisores numa estrada deserta. Espelhos de noites solitárias, correntes e a trabalho, passavam entre as mesas servindo-lhes os seus pedidos. Saciavam a sede dos seus pedintes como aquele primeiro gole bebido no canudo, que retarda o tempo, subindo vagarosamente até a boca. O piano e o saxofone se complementavam como pano de fundo de uma voz grave, porém serena, em doces melodias. A chama da vida mantinha-se acesa entre as velas, as bebidas e as canções daquele poético bar.

A vida noturna vinha de vento em popa até o primeiro sopro da madrugada, quando a noite prestou atenção num único evento. Entrou no recinto a mulher que meus olhos sempre sonharam ver. Ela fez sua entrada e, junto a todos os clichês do mundo, tudo parou, como num passe de mágica. Num vestidinho preto indefectível, ela cria estar discreta. Quisera! Não seria capaz de discrição alguma. Também, pudera... Com aqueles olhos, aqueles passos, e toda aquela inocência mascarada, querendo ou não, seria desejada. Se não por todos, ao menos pelos mais atentos.

Cuidei, desde logo, de não dar bandeira. Queria que ela me notasse, lógico, mas não por admirá-la de cara como todos faziam. Precisava, primeiro, fingir pouco interesse, pouca monta naquela miragem. Para ganhá-la, era preciso uma naturalidade forçada e esforçada. Forçada porque não era o que eu queria fazer, e esforçada porque era um dever homérico não demonstrar que a queria com todo o meu ser. Tudo bem. Ia segurar minhas paixões por uma boa causa. Afinal de contas, poderia ganhar aquela mulher que tinha olhos de cinema. Contra tudo e contra todos, fingia mesmo que nem era comigo.

Como num filme, ela se sentou no bar e, com a sutileza de uma dama que não devia nada a ninguém, pediu uma taça de vinho. Acomodou-se até, em alguns minutos, sentir-se despercebida. Tempo suficiente para um prato de prata esvoaçante aparecer com a sua bebida. Seus dedos finos alcançaram o corpo fino da taça aproximando-o até seu nariz. O perfume frutado da bebida fez suas bochechas corarem. O desejo tomou seus sentidos. Como uma vampira tentando esconder seu prazer, deixou escorrer aquele rubro néctar pela sua garganta. Tinto, o seu sangue esquentou e, mais uma vez com medo de ser notada, a moça revistou distraída o salão esperando não se deparar com olhos à sua espreita.

Para sua frustração momentânea, meu olhar há muito já estava fixo em cada movimento que ela fazia. Sem delongas, descobriu-me no meu intento mal sucedido de não ser notado. Disfarcei minha displicência. Ela, por educação, disfarçou também. Nós éramos dois novatos parceiros de dança que erraram o passo e tentavam se reestabelecer conforme as passadas da música. Por sorte, destino, ou seja lá o que for, Sinatra ressoava em nossos tímpanos, romântico, em gênero, número e grau.

Por alguns minutos, seguimos fingindo que nada tinha acontecido apesar de, a cada segundo, meu rabo de olho encontrar o dela. Seguimos dançando com os olhos, sem saber para onde ir além de ao encontro dos olhos do outro.

Em certo ponto desisti, como qualquer homem sensato, e a mirei de corpo inteiro. Ela se desconcertou mais ainda, mas, olhando para baixo ao fugir do meu olhar, sorriu de ladinho. Finalmente ela que havia cedido. Foi a minha recompensa por ter desistido de fugir. Foi o meu sorriso e a minha certeza.

Para dar o último solavanco na coragem, dei um gole no meu uísque, bati o copo na mesa para fazer pompa e levantei-me de súbito na direção da bela jovem.

À essa altura, ela já me esperava...