30 de julho de 2008

Se o 7 não dá sorte, apostemos no 13

Era apenas uma manhã burguesa de torradas à italiana, croissants, orange juice de caixinha e queijo de Minas. O jornal famoso gritava logo na capa: O preço do dólar subiu - algo que não acontecia há meses. Conseqüência de uma especulação qualquer sabe-se-lá de onde. Maiores informações poderiam ser encontradas na página sete. Não procurei a leitura sobre a qual, até quem precisa ler, decerto preferiria não fazê-lo. Foi aí que, envolto pelo aroma matinal-econômico, a crocância das torradas engrenou meus miolos.
Lembrei-me da nossa independência de cavalo branco e espada em riste. Pela memória dos meus tataravós, ouvi ressoar pelo Brasil inteiro o brado daquela manhã de sete de setembro. Ali, às margens plácidas do Ipiranga, nos livramos do domínio externo. Liberdade, enfim! Liberdade nas terras presentes e futuras da nossa Pasárgada! Ninguém esperava o futuro real. Aliás, Real não, Dólar.
Prenha de sete meses, a moça que me servia ofereceu café:
– Mais, senhor?
Fiz que não com a mão. Era livre essa moça? Uma morena jambo de seios fartos, mas pernas curtas. Não tinha como fugir. Grávida de tantos meses, deveria estar descansando sobre um leito familiar afetuoso. No entanto, tinha contas a pagar. Faltava-lhe a lei áurea de Platão. Aquela do mundo das idéias, que abriga a perfeição divina onde todos são livres, onde a liberdade não é uma mera palavra esperançosa. Mas aqui, não. Aqui, nossas leis não passam de pedaços de papel com tinta.
Aqui, a peneira tampa o amarelo-sol de nossa bandeira. Fingimos que não vemos. Ano após ano, comemoramos nosso orgulho verde e amarelo com a bandinha da Parada de Sete de Setembro. Enchemos a boca para exaltar nossas belezas, nossas riquezas e nossas conquistas. Dentre elas, inclusive, a liberdade. Esta, porém, tropeça no emaranhado de braços, pernas e retrovisores das cores austeras da Rua Sete de Setembro. Nossa nobre liberdade, sempre apressada, ignora o neguinho que se suja para lustrar sapatos pretos. Para ela, o menino é livre. É... O menino deve ser livre, sim. Ele poderia estar brincando de esconde-esconde, talvez. Se está, ninguém vem procurá-lo.
Avesso ao café preto que me espelhava, pálido, notei a data no jornal. Era Sexta-feira 13, dia de azar para muitos. Para mim, o dia de sorte dos poucos que poderei instigar com minha Mont Blanc solitária. Ela, apesar de hipócrita por natureza, espera se redimir com conteúdo que dará à coluna de amanhã do jornal. Ademais, crer no 13 em detrimento do 7 parece uma escolha perspicaz, já que o destino brasileiro gosta mesmo de ironias. Falo isso porque colocar Dom Pedro sobre um cavalo branco é, no mínimo, irônico. Se ele fosse fiel ao Real do país, o equino teria a cor das mais escuras noites de Sexta-feira 13.
Se o 7 não dá sorte, apostemos no 13 – Pronto, já tinha um título. E, assim, coloquei-me a escrever enquanto fitava a futura mãe. Por curiosidade, perguntei qual seria o nome do guri. Com um largo e silencioso sorriso, ela me respondeu:

– Pedro.

Que Pedro possa ser encontrado quando ele brincar de esconde-esconde para que, numa ensolarada e esclarecida manhã de Sexta-feira 13, ele possa desbancar o cavalo branco da nossa falsa liberdade.

Descanse em paz

Cinco da manhã. Toca o telefone. Era o despertador eletrônico. Tiro e ponho o telefone no gancho. Só mais cinco minutinhos – penso. Acordo quarenta minutos depois. A missa era às seis na Igreja de Santa Terezinha, em Botafogo. Até atravessar o túnel, no mínimo uns vinte minutos. Nunca chegaria a tempo. Pulo da cama e vou preparar o café. A pressa só não é maior porque não dá tempo. O rabo do meu olho nota o jornal de ontem que não li. O pão desceu frio mesmo. Meto a escova de dentes na boca, arrumo o cabelo e saio a mil por hora. A missa era de sétimo dia de um primo distante. Já descansava em paz.
Vivo, eu corro. Morto, ele descansa. Ocorreu-me que isto não estava certo. Mas me faltava tempo. Ou me sobrava?

Sobre a escrita...

Antes de tudo, deve ser livre. Para provar, basta uma linha.