25 de dezembro de 2008

ar

a brisa assobia murmurante
acalmando
acariciando
amenizando
amortecendo
alterando pensamentos maleáveis

a poetiza silenciosa e provocante
a verdade sopra sem que a multidão escute:
a neblina do crer é mais densa que o vento do ser
ressoa o grito fosco, nunca o sussurro nítido
reflete o borrão mudo, jamais a imagem sonora
retém-se o sentimento debaixo do arrepio comedido

ruidosa, a brisa se foi
rugindo
rodeando
revoltando
remodelando
reconstruindo pessoas rígidas

28 de agosto de 2008

Uma foto-grafia brasileira

Data: 27/08/08. Hora: 12: 03.
Sol a pino.
Avenida Presidente Vargas para lá e para cá.
No meio, um monumento; Zumbi dos Palmares.
Deitado abaixo de sua cabeça, um negro.
Roupas rasgadas, barriga de fora e pernas abertas.

13 de agosto de 2008

Por que escrever?

- Então, vai escrever... Interessante. Por quê?
- Por não querer fazer outra coisa.
- Ou porque é moda se escrever sobre o que pensa.
- Ou para fazer uma sinopse sobre o que as minhas sinapses não são capazes de fazer.
- ...?
- Escrevo pelo desconforto perene e explosivo de não ter a real consciência sobre o que passa pela minha cabeça. Não cogite loucura, é só um infinito de idéias e possibilidades comum à mente de qualquer pessoa entre dez e cem anos. No meu caso, porém, o texto talvez ajude o leitor-escritor a crer que pode compreender o emaranhado do próprio quadro psíquico.
- Tudo bem, é plausível, mas se essa é sua desculpa, por que é curioso a ponto de querer escancarar a certeza de que nunca será capaz de compreender por completo seus pensamentos, os dos outros e quiçá a imensa interseção entre eles?
- Não sei, quem sabe não esteja aí a solução de quem escreve. Aceitação. Já que não vou saber tudo mesmo, ao menos eu me entretenho passando o tempo desenhando símbolos que significam tanto para os outros quanto para o grafite que utilizo.
- Não, não é assim também. Os homens são capazes de achar um sentido para tudo que lhes convém, diferentemente da pobre ponta do lápis.
- Verdade. Tudo depende tanto de quem escreve quanto de quem lê.
- Sim, pois insisto: por que quer escrever se, por um lado, não vai obter o que busca quanto a autoconhecimento e por outro, seus leitores mastigarão suas letras as digerindo com seus corpos tendenciosos?
- Pode ser por mil motivos. Satisfação do ego, defesa de uma ideologia, desejo de ser o único ser a escrever exatamente aquilo, crença no bem que o texto pode provocar, ou, ainda, no poder de persuasão que ele terá sobre as pessoas. Enfim, será que se aglutinarmos tais hipóteses, ponderando seus devidos pesos, responderíamos à pergunta? Ou será que continuaríamos como bons e velhos que somos... Apenas buscando um sentido que não encontramos enquanto, sem percebermos, vivemos nos outros inúmeros que criamos?

Nó na garganta

Agonia é a palavra-chave. Durante o dia inteiro seu chefe te provoca e na última hora de trabalho ele ainda te cobra mais empenho. Não desce. Aquele entulho de palavras entre o tórax e a boca é inevitável. Não adianta beber um litro d’água. E quando sua mulher reclama de algo que, para você, não tem razão de ser? Não tem jeito, o bolo gramatical se aloja na curva do esôfago e dali não sai mais. Ainda assim, a gente tem que engolir. Corrijo-me, engolir não, fingir que engole, já que descer mesmo, nunca desce.
O que pode ocorrer é subir, mas aí a gente perde a cabeça. O refluxo é tão forte que só nos serve aos 47 do segundo tempo com o gol que dá vitória ao nosso time. Aí sim, podemos perder a cabeça, porque, no fim das contas, certamente a encontraremos em meio às outras da torcida.
Só lá mesmo. No dia-a-dia, não. Se em toda vez que um guardinha cheio de pompa e mal-educado nos parasse cobrando os documentos, nós falássemos o que realmente pensamos, já estaríamos cumprindo pena na prisão. Imagine mandar o chefe para aquele lugar! O prazer instantâneo seria imenso, mas, sem o emprego, o buraco na carteira seria tão grande quanto.
Este incômodo que nos engasga deve ser diluído. Uns o fazem afogando-o em lágrimas presas. Outros, com umas e outras na mesa de um bar. No entanto, o ideal mesmo é um tapinha nas costas. Seja da mãe, da mulher ou do amigo, uma mão que te empreste os ouvidos e segure a sua cabeça junto ao corpo é a melhor opção. Chamam, no popular, de nó na garganta. Não tem esse nome à toa, afinal, para afrouxá-lo, só um especialista.

Bloqueado

Quase todos dormem. Debruçado sobre a janela, alguns pontos reluzentes me iluminam os olhos. Estrelas, quartos acesos, postes de luz. Pingados todos, como tinta branca sob uma imensa tela negra levemente avermelhada. Não sei se pela aurora vindoura ou pela difusão das luzes da cidade, mas seu vinho era tinto. Safra das noites de verão.
Atrás da janela, a noite silenciava o quarto com seu caos ausente. Somente o sopro do ventilador se movia na penumbra. A tela do computador ligado era a única luz que detalhava o pequeno ambiente. A cama, desarrumada, estava molhada pelo suor recente. Para lá e para cá, como as pás do ventilador, eu estive rolando com uma parceira indesejável, a insônia; até que a cadeira em frente ao computador, por fim, ocupou-me.
Há dois dias não recebia notícias dela. Brigamos pelos problemas de sempre, pelas causas de sempre, mas com as palavras de nunca. Antes, elas se escondiam debaixo do tapete, empurradas, amontoadas. Anteontem não. Anteontem, descarregamos, eu e ela, o peso de todas as palavras guardadas, após sete anos juntos. Foi muito e de uma só vez.
Não é difícil descobrir que amor não é o bastante num relacionamento. Qualquer um que já tenha amado sabe que são necessárias algumas daquelas palavrinhas politicamente corretas: compreensão, paciência, cuidado, etc. Confesso não utilizá-las com a destreza dos meus avós casados há milhões de anos, mas sempre busquei o melhor para nós dois. Quase sempre. Anteontem não. Não devia ter falado muitas coisas. Tampouco queria ter ouvido outras tantas.
Lenta, a noite rubra passa diante dos meus olhos abertos enquanto os pensamentos vêm e vão, ciclicamente. Vem à minha cabeça que até o fim do mês já teria arrumado outro rabo de saia. Alguém que não me tirasse o sono. A hélice do ventilador, porém, completa uma volta e meu coração pulsa pela lembrança das noites que passamos juntos. As noites em que eu dormia como um bebê, pois reconhecia meu leito no seu peito macio.
Hoje minha cama está vazia e só me restam uns últimos goles do vinho soturno. Lá fora, o mundo gira. Aqui dentro, o ventilador, a minha cabeça, até meu corpo gira, mas eu não saio do lugar. Não sei se ela volta, não sei se quero que volte. Bloqueado, observo a madrugada me abandonar. Aguardo mais tempo que a cidade dormente, pois para mim, de olhos arregalados e mãos atadas, as horas caminham mais devagar.
Os primeiros raios de sol deixam o céu rosado como os lábios dela. Os pensamentos parecem ocupar muito espaço e minha cabeça começa a pesar. Solitária, a cama me tenta. Ela agüentará o peso da minha mente melhor que eu. Não vou dormir, mas terei uma visão privilegiada do espaçoso teto. Quem sabe meus pensamentos não fujam para sua imensidão vazia? A brisa matinal suavemente arrepia minha nuca úmida e me convence. Levanto-me da cadeira, desligo o ventilador e estendo meu corpo cansado no colchão.

30 de julho de 2008

Se o 7 não dá sorte, apostemos no 13

Era apenas uma manhã burguesa de torradas à italiana, croissants, orange juice de caixinha e queijo de Minas. O jornal famoso gritava logo na capa: O preço do dólar subiu - algo que não acontecia há meses. Conseqüência de uma especulação qualquer sabe-se-lá de onde. Maiores informações poderiam ser encontradas na página sete. Não procurei a leitura sobre a qual, até quem precisa ler, decerto preferiria não fazê-lo. Foi aí que, envolto pelo aroma matinal-econômico, a crocância das torradas engrenou meus miolos.
Lembrei-me da nossa independência de cavalo branco e espada em riste. Pela memória dos meus tataravós, ouvi ressoar pelo Brasil inteiro o brado daquela manhã de sete de setembro. Ali, às margens plácidas do Ipiranga, nos livramos do domínio externo. Liberdade, enfim! Liberdade nas terras presentes e futuras da nossa Pasárgada! Ninguém esperava o futuro real. Aliás, Real não, Dólar.
Prenha de sete meses, a moça que me servia ofereceu café:
– Mais, senhor?
Fiz que não com a mão. Era livre essa moça? Uma morena jambo de seios fartos, mas pernas curtas. Não tinha como fugir. Grávida de tantos meses, deveria estar descansando sobre um leito familiar afetuoso. No entanto, tinha contas a pagar. Faltava-lhe a lei áurea de Platão. Aquela do mundo das idéias, que abriga a perfeição divina onde todos são livres, onde a liberdade não é uma mera palavra esperançosa. Mas aqui, não. Aqui, nossas leis não passam de pedaços de papel com tinta.
Aqui, a peneira tampa o amarelo-sol de nossa bandeira. Fingimos que não vemos. Ano após ano, comemoramos nosso orgulho verde e amarelo com a bandinha da Parada de Sete de Setembro. Enchemos a boca para exaltar nossas belezas, nossas riquezas e nossas conquistas. Dentre elas, inclusive, a liberdade. Esta, porém, tropeça no emaranhado de braços, pernas e retrovisores das cores austeras da Rua Sete de Setembro. Nossa nobre liberdade, sempre apressada, ignora o neguinho que se suja para lustrar sapatos pretos. Para ela, o menino é livre. É... O menino deve ser livre, sim. Ele poderia estar brincando de esconde-esconde, talvez. Se está, ninguém vem procurá-lo.
Avesso ao café preto que me espelhava, pálido, notei a data no jornal. Era Sexta-feira 13, dia de azar para muitos. Para mim, o dia de sorte dos poucos que poderei instigar com minha Mont Blanc solitária. Ela, apesar de hipócrita por natureza, espera se redimir com conteúdo que dará à coluna de amanhã do jornal. Ademais, crer no 13 em detrimento do 7 parece uma escolha perspicaz, já que o destino brasileiro gosta mesmo de ironias. Falo isso porque colocar Dom Pedro sobre um cavalo branco é, no mínimo, irônico. Se ele fosse fiel ao Real do país, o equino teria a cor das mais escuras noites de Sexta-feira 13.
Se o 7 não dá sorte, apostemos no 13 – Pronto, já tinha um título. E, assim, coloquei-me a escrever enquanto fitava a futura mãe. Por curiosidade, perguntei qual seria o nome do guri. Com um largo e silencioso sorriso, ela me respondeu:

– Pedro.

Que Pedro possa ser encontrado quando ele brincar de esconde-esconde para que, numa ensolarada e esclarecida manhã de Sexta-feira 13, ele possa desbancar o cavalo branco da nossa falsa liberdade.

Descanse em paz

Cinco da manhã. Toca o telefone. Era o despertador eletrônico. Tiro e ponho o telefone no gancho. Só mais cinco minutinhos – penso. Acordo quarenta minutos depois. A missa era às seis na Igreja de Santa Terezinha, em Botafogo. Até atravessar o túnel, no mínimo uns vinte minutos. Nunca chegaria a tempo. Pulo da cama e vou preparar o café. A pressa só não é maior porque não dá tempo. O rabo do meu olho nota o jornal de ontem que não li. O pão desceu frio mesmo. Meto a escova de dentes na boca, arrumo o cabelo e saio a mil por hora. A missa era de sétimo dia de um primo distante. Já descansava em paz.
Vivo, eu corro. Morto, ele descansa. Ocorreu-me que isto não estava certo. Mas me faltava tempo. Ou me sobrava?

Sobre a escrita...

Antes de tudo, deve ser livre. Para provar, basta uma linha.