13 de agosto de 2008

Bloqueado

Quase todos dormem. Debruçado sobre a janela, alguns pontos reluzentes me iluminam os olhos. Estrelas, quartos acesos, postes de luz. Pingados todos, como tinta branca sob uma imensa tela negra levemente avermelhada. Não sei se pela aurora vindoura ou pela difusão das luzes da cidade, mas seu vinho era tinto. Safra das noites de verão.
Atrás da janela, a noite silenciava o quarto com seu caos ausente. Somente o sopro do ventilador se movia na penumbra. A tela do computador ligado era a única luz que detalhava o pequeno ambiente. A cama, desarrumada, estava molhada pelo suor recente. Para lá e para cá, como as pás do ventilador, eu estive rolando com uma parceira indesejável, a insônia; até que a cadeira em frente ao computador, por fim, ocupou-me.
Há dois dias não recebia notícias dela. Brigamos pelos problemas de sempre, pelas causas de sempre, mas com as palavras de nunca. Antes, elas se escondiam debaixo do tapete, empurradas, amontoadas. Anteontem não. Anteontem, descarregamos, eu e ela, o peso de todas as palavras guardadas, após sete anos juntos. Foi muito e de uma só vez.
Não é difícil descobrir que amor não é o bastante num relacionamento. Qualquer um que já tenha amado sabe que são necessárias algumas daquelas palavrinhas politicamente corretas: compreensão, paciência, cuidado, etc. Confesso não utilizá-las com a destreza dos meus avós casados há milhões de anos, mas sempre busquei o melhor para nós dois. Quase sempre. Anteontem não. Não devia ter falado muitas coisas. Tampouco queria ter ouvido outras tantas.
Lenta, a noite rubra passa diante dos meus olhos abertos enquanto os pensamentos vêm e vão, ciclicamente. Vem à minha cabeça que até o fim do mês já teria arrumado outro rabo de saia. Alguém que não me tirasse o sono. A hélice do ventilador, porém, completa uma volta e meu coração pulsa pela lembrança das noites que passamos juntos. As noites em que eu dormia como um bebê, pois reconhecia meu leito no seu peito macio.
Hoje minha cama está vazia e só me restam uns últimos goles do vinho soturno. Lá fora, o mundo gira. Aqui dentro, o ventilador, a minha cabeça, até meu corpo gira, mas eu não saio do lugar. Não sei se ela volta, não sei se quero que volte. Bloqueado, observo a madrugada me abandonar. Aguardo mais tempo que a cidade dormente, pois para mim, de olhos arregalados e mãos atadas, as horas caminham mais devagar.
Os primeiros raios de sol deixam o céu rosado como os lábios dela. Os pensamentos parecem ocupar muito espaço e minha cabeça começa a pesar. Solitária, a cama me tenta. Ela agüentará o peso da minha mente melhor que eu. Não vou dormir, mas terei uma visão privilegiada do espaçoso teto. Quem sabe meus pensamentos não fujam para sua imensidão vazia? A brisa matinal suavemente arrepia minha nuca úmida e me convence. Levanto-me da cadeira, desligo o ventilador e estendo meu corpo cansado no colchão.

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