4 de setembro de 2011

Dez mil cavalos correndo na rua


Em recente entrevista perguntaram a um autor sobre sua facilidade de se comunicar com os leitores. Em resposta transversa, mas brilhante: “Eu tenho a convicção de que a maior dádiva de se escrever é a liberdade que a escrita lhe dá. Se você quiser escrever uma história sobre dez mil cavalos correndo na rua, você pode.” Pronto. Com essas poucas palavras – que sozinhas contêm, sem rédeas, tudo o que é livre – eu sorri fascinado.

Dez mil cavalos correndo na rua. Por que não vinte? – me perguntei logo de cara. Vinte cinco talvez? Cismei com vinte. Tive que ler várias vezes para aceitar que ele me acorrentou a dez. Talvez o autor soubesse que minha teimosia ia querer se libertar dos seus números fixos. Ele já havia lido, com os olhos ou com o coração, o eterno pensamento: “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas o que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.” Se me obrigam a contar dez mil cavalos, enxergarei muitos, mas nunca os numerados dez mil cavalos.

Dez mil cavalos correndo na rua. Cavalos correndo na rua. Quem não pensou naquele simbolozinho amarelo e preto? Ninguém levantará a mão – E aquele que não havia pensado, agora tem não só o Cavallino Rampante estampado no olhar como também a ululante certeza de quem redescobriu os óculos na ponta do nariz. Que imagem significativa nesta nossa existência mecânica! Uma Ferrari queimando a pista, galopante, lambendo o liso asfalto com a velocidade tremulando sua longa crina rubra. Se uma já é uma quimera em alta definição, imagine dez mil.

Dez mil cavalos correndo na rua. Enfim, minha inquietude vence: em que rua? Sei que se ele especificasse a rua – como fez ao cercar dez mil cavalos – eu estaria reclamando da prisão criativa onde encarceraria minha imaginação. Ao contrário, ele falou da rua com intimidade, pois a conhecia. Contudo, ele não me deu nem um mero artigo indefinido para que eu pudesse, mediocremente, reconhecer aquela rua genérica, igual a todas as que pavimentam a minha mente quando ouço sobre uma rua qualquer. Não, não. Ele disse “na rua”. Ele sabe qual é a rua por onde correm os dez mil cavalos. E eu, por algum motivo, preciso precisá-la.

Com dez mil cavalos correndo naquela rua que só ele conhecia, Ele me deu de lambuja todas as ruas do mundo como quem dissesse: Vai, escolhe. Não era liberdade que você queria?

Um comentário:

Mari disse...
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